Ayahuasca, la Madre

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Um pouco de história

Ayahuasca é a designação para a mistura de duas plantas: a liana Ayahuasca (Banisteriosis Caapi) e a folha de Chacruna (Psychotria Viridis). Diferentes lendas procuram explicar a forma como esta bebida foi descoberta, já que a diversidade de lainas e espécies botânicas não favorece a hipótese do acaso ou de uma experimentação clássica pelas populações indígenas. É certo e sabido que a Ayahuasca é usada por diferentes grupos étnicos, em especial no Alto Amazonas, devido às suas fortes propriedades de purificação. O etnobotânico Richard Spruce foi o primeiro ocidenteal, em 1981, que teve contacto com esta planta. è todavia difícil avaliar com precisão a data a partir da qual a Ayahuasca começou a ser usada. Para alguns povos viria dos Incas, mas cada um tem a sua história sobre as origens – mostrada em sonhos, dom do céu, da anaconda, etc.

A Chacruna contém um neuro transmissor que é a chave dos estados alterados de consciência, a Dimetiltriptamina ou DMT, que se encontra em diferentes partes do nosso corpo, o dos animais, e em plantas. É possível que essa substância seja produzida pela glândula pineal nos seres humanos, identificada por certas culturas como o “terceiro olho”.

A Ayahuasca também é chamada de “purga” pelos seus efeitos intensos no corpo, como o vómito ou diarreia. Permite assim aos índios livrarem-se de parasitas que lhes provocariam doenças e os impediriam de caçar ou manter a sua vida diária num ambiente hostil, cheio de cobras venenosas, virus perigosos ou outras maleitas. Esta planta é assim, antes de mais, um meio de cura e não uma substância recreativa.

Um grande número de povos indígenas, incluindo no América do Norte, tinham por tradição jejuar, tomar sumo de Tabaco ou outras plantas vomitivas, isolar-se na floresta, para conseguir o que chamavam de visão. A visão mostrava-lhes o seu papel na vida, como curandeiros, guerreiros ou outro. Este estado místico é considerado natural e encorajado desde a mais tenra idade – por vezes desde os 8 ou 12 anos. Na nossa cultura, profetas e sábios retiravam-se da sociedade e passavam algum tempo sozinhos, jejuando, para conseguirem respostas, orientações e sonhos sobre a sua vida ou o destino do seu povo. Assim se procedia, era a forma de obter um contacto com o divino ou um mundo outro, o dos espíritos, que podia trazer abundância na pesca, na caça, nas colheitas, sucesso na guerra, etc. Tudo isto exigia um esforço do corpo físico, um processo de purificação, uma purga, para obter clarividência ou orientações.

A tradição xamânica amazónica considera o corpo como tendo vários níveis, um todo que inclui o físico, emocional ou psicológico e espiritual. A cura tem uma efeito nestes diferentes níveis. Uma tribo privada de ligação ao mundo espiritual está condenada. Livrar-se de parasitas não é apenas uma questão de extrair germes, mas também extrair bloqueios espirituais e emoções tóxicas. É nesse contexto que a Ayahuasca vai trabalhar em diferentes níveis de consciência.

O mundo espiritual não é o mundo divino

É importante reconhecer a nossa falta de experiência e os conhecimentos esquecidos sobre um mundo ou uma realidade alternativos. O mundo espiritual não é o mundo divino. Esse mundo alternativo, catalogado e referenciado com muita precisão por povos antigos, com os seus perigos e visões, exige um posicionamento muito claro entre o bom e o mau. Como ocidentais, temos tendência a considerar que tudo vem das nossas intenções ou crenças. É falso. Existem regras específicas sobre as acções e as consequências, boas ou más ligações, todo um mundo a aprender com culturas que mantiveram uma conexão forte com antigos rituais, chaves e caminhos percorridos e confirmados por gerações de anciões.

Neste contexto, a Ayahuasca é um veículo. Quando é ingerida, é uma substância viva, um ser consciente. Difunde-se no corpo, procura um caminho e abre o campo energético. É um revelador que proporciona uma estado alterado de consciência, revela o que está oculto no mundo físico, permite aceder ao seu estado interior, por visões, memórias, compressões ou sensações físicas. Durante este processo de abertura, tornamo-nos mais vulneráveis. A Madre cria um estado de caos temporário para depois uma estrutura interna e trazer a cura. Ao perceber a forma de funcionamento desta planta sagrada, é mais fácil aceitar que é necessário um certo contexto. Quando nos tornamos mais vulneráveis durante essa viagem, quem nos guia? Na travessia de mundos espirituais, como é feita a protecção?

É aqui que o Xamã assume uma grande importância. Prepara o espaço onde o drama pessoal pode desenrolar-se, e guia com os seus ícaros, os cantos que recebeu durante os períodos da sua vida em que realizou dietas com diferentes plantas maestras, para trabalhar no seu processo pessoal e aprender o ritual dos Ayahuasqueros. O próprio Xamã precisa de uma supervisão, de um guia, para dirigir os ensinamentos, confirmar intuições e interpretar os sonhos. Esse processo faz-se através do corpo, o esforço necessário para manter-se isolado, en jejum, num período em que toda a energia psíquica se vira para o interior, como num estado de introspecção psicológica, que lhe permitirá mergulhar em estados alterados de consciência de onde virão os ensinamentos. O guia mais experiente está presente também para conter a inflação do ego que poderia apoderar-se do aprendiz.

Um glossário das cerimónias. Preconceitos falsos

Os ícaros são “recebidos” durante dietas longas, são melodias ouvidas na noite escura que evoluem com o tempo e ganham palavras e orações. Os ícaros cantados são verdadeiras orações, como os salmos, que pedem humildemente aos espíritos uma cura. Os cantos transportam as orações, elevam-nas, esperando obter uma cura e abençoar a nossa vida. O fumo do Tabaco, que se chama Mapacho, leva as orações como o incenso num templo sagrado. As orações foram feitas para serem cantadas, pois parece ser essa a forma tradicional de contactar os espíritos superiores que trazem a cura.

A Ayahuasca é chamada de mãe, ou Madre, porque possui a característica única de nos conectar a espíritos de cura, plantas maestras, antepassados. Quando é usada num contexto seguro e específico por um Xamã experiente, transforma-se num veículo para perceber a origem do nosso estado, as nossas raízes e as razões pelas quais carregamos dificuldades. É preciso estar disposto a enfrentar os lados sombrios de si próprio e trazer para a luz aspectos desconhecidos – que estão na sombra. Para chegar a uma versão mais elevada de si próprio, é preciso iluminar essa escuridão, e a purificação física realizada pela Madre é um sintoma de aspectos a libertar, aspectos de que devemos tomar consciência.

Existem também diferentes níveis de sombra contar os quais há que lutar sem dó nem piedade, porque não estamos sozinhos neste universo. O bem e o mal têm uma definição muito específica nos mundos espirituais em que viajamos num estado alterado de consciência, embora possa parecer surpreendente no contexto actual de crenças na nossa sociedade.

Uma palavra sobre falsas suposições. Por vezes escreve-se e diz-se que o Xamã é esquizofrênico ou louco, e que é considerado doente no Ocidente, onde é internado em hospitais psiquiátricos. Numa cultura indígena, ele poderia realizar o seu potencial como Xamã, onde esse estado seria considerado como um dom.

Nada poderia estar mais errado. Estes preconceitos mostram uma grande ignorância sobre aquilo que significa um estado de esquizofrenia. O Xamã deve viajar entre mundos e ser capaz de voltar, mantendo o discernimento sobre aquilo que é a visão de outro mundo e a realidade material. Torna-se um mestre nesse ir e vir, entre a consciência alterada e a consciência banal, e é assim que se torna curandeiro. O seu estado visionário deve ser acutilante, e não confuso e desorganizado como seria o de uma pessoa num estado psicótico.

O mundo indígena ao encontro da cultura ocidental

A Ayahuasca também é uma ferramenta de diagnóstico para o Xamã, que lhe permite descobrir a origem das doenças dos seus pacientes. Segundo a tradição, o Xamã faz uma cerimónia, de noite, para as pessoas da aldeia, idosos, crianças, adultos. Nem todos bebem a planta. O Xamã entra em transe e pode curar pelos cantos. Pode também avaliar se o paciente precisa de dietar outra planta, uma planta especialista. Poderá ler mais sobre o assunto na secção de Retiros.

Em geral, o Xamã começa por curar crianças com diferentes sintomas, como a diarreia ou a febre. Depois passa para adolescentes, e adultos.

Nestes últimos anos, o boom da Ayahuasca provocou um encontro entre dois mundos: a herança tradicional indígena e a cultura ocidental, impotente face às doenças da alma, problemas psicológicos e doenças mentais. Mais tarde, os Xamãs começaram a fazer cerimónias com muitas pessoas e tornou-se comum que todos bebessem a Ayahuasca.

O ocidental precisa de explicações e palavras para o seu mundo interior, enquanto o índio aceita uma experiência mística sem palavras. Este preocupa-se com o seu estado físico e as causas espirituais dos seus problemas exteriores – em geral ataques psíquicos do vizinho, de uma tribo ou inimigo. Não vai procurar no interior de si próprio possíveis causas para esses problemas, enquanto o ocidental, que considera ser o centro do mundo, acredita que tudo depende de si próprio – ou da sua intenção. São perspectivas diferentes que resultam do meio onde cada um cresceu, não são verdadeiras ou falsas por si só. No entanto, é possível que as duas perspectivas se juntem e que isso enriqueça o processo. Podemos obter uma resposta para necessidades psicológicas, perceber que existem outras realidades e re-descobrir valores universais. o contexto tradicional em que se desenrolam as cerimónias é a chave para levantar este desafio de integração do movimento da cultura da Ayahuasca no Ocidente. Com muito respeito e humildade.

Consulte também a nossa secção de Perguntas e Respostas para temas que surgiram ao longo destes dez anos de prática da Onanya Joni.

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